Por Daniel Henrique Rodrigues
A contradição, a princípio, trata-se de uma situação em que algo ou um discurso cai fora de uma certa lógica e torna-se incoerente. Cai em oposição aquilo que deve ser ou ao que se diz. Por exemplo, é contraditório quando uso de um discurso nacionalista, patriótico, mas termino batendo continência à bandeira dos Estados Unidos da América. É contraditório quando, enquanto candidato, falo que vou acabar com a corrupção, mas assim que chego ao pleito começo a roubar como disse que não faria. Situações como estas, certamente, nos parecem estranhas; ainda assim, persistem. Isso porque a contradição não está simplesmente nos discursos, nas coisas ou nas pessoas, mas na realidade em si. É compreendendo essa realidade que nos atrevemos a compreender o Brasil, e é tentando compreender o Brasil que nos voltamos para o contraditório.
De acordo com o USDA Rural Development (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) o Brasil é, atualmente, o segundo maior produtor de carne bovina no mundo. Da mesma forma, é provável que até 2025 o país tome o primeiro posto, de acordo o presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB). Ainda assim, pagamos preços altíssimos nas carnes que compramos nos açougues e mercados. Somos o maior produtor de soja (USDA), mas o que não tem impedido o crescimento nos preços do óleo de soja que usamos para preparar nossas refeições. De forma equivalente, o Brasil é o maior produtor de arroz fora da Ásia, mas sabemos que os preços que pagamos nos supermercados não têm sido dos melhores. A questão é: como podemos produzir tanto alimento, mas pagar tão caro por eles e, muitas vezes, não ter acesso? Está aí uma contradição que, diferente do que imaginamos, não tem nada de incoerente.
A posição histórica do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho
A contradição, se tratando do Brasil, está apontada no trabalho produzido por Nazareno Godeiro e João Ricardo Soares: “Neodesenvolvimentismo ou neocolonialismo. O mito do Brasil imperialista” (2016). Este vem a se propor a compreender o que é o Brasil, hoje, por suas determinações históricas. Neste sentido, cabem as suas contradições. Diante disso, nos cabem questões importantes: o imperialismo, a situação de semicolônia e a burguesia brasileira. Creio que este seja o elo que vem dar sentido ao livro.
Desde a época da colônia o país já era voltado na intenção de produzir e exportar para fora. Assim, seu maior objetivo sempre foi o enriquecimento das metrópoles, o que incluía Portugal e, mais tarde, a Inglaterra. Situação esta que não se altera mesmo após a independência – uma negociação feita pelos poderosos em suas cúpulas para que se impedisse revoltas populares e, consequentemente, maiores abalos nas estruturas e interesses imperialistas que financiavam essa suposta independência. Logo, nos deparamos com uma burguesia, no caso da burguesia brasileira, desacostuma com grandes transformações. Uma burguesia totalmente dependente.
Essa subordinação aos países centrais atrofiou a burguesia brasileira, que surgiu na história absolutamente dependente das metrópoles (Portugal, Inglaterra e Estados Unidos). Por isso, não se deu, no Brasil uma revolução burguesa clássica, que garantisse a independência nacional, a reforma agrária, a industrialização própria e a formação de um mercado interno (GODEIRO; SOARES, 2016, p. 22 – 23).
É neste sentido que se fala em 500 anos de dominação imperialista, 500 anos de subordinação aos capitalistas estrangeiros: estes que nunca deixaram de sugar a produção nacional. Produção esta que não vêm com o objetivo de atender às necessidades humanas ou colocar comida na mesa dos trabalhadores e trabalhadoras do país, mas unicamente exportar e lucrar. Quem ganha com isso é uma classe burguesa que, ainda subordinada, privilegia-se dessa relação. Considerando-se esses privilégios é que se pode começar a abordar qual a posição histórica do Brasil na divisão internacional do trabalho.
A relação que a burguesia brasileira estabelece no cenário internacional coloca o país numa posição que chamamos de semicolônia. Apesar de ter sua independência política garantida, junto disso uma certa “soberania nacional”, permanece dependente quando se trata do mercado e da produção. Sua tarefa diante do mercado mundial sempre foi produzir commodities, isto é, produtos de necessidade básica (como alimentos) e exportar para fora. Na contramão disso, importa tecnologia dos países centrais. Situação que não se altera nestes últimos anos. Muito pelo contrário, apenas aprofunda essa lógica: uma lógica contraditória, mas que de incoerente, para o capitalismo, não tem nada. O Brasil conquista um certo “desenvolvimento nacional” exportando diversas matérias-primas para as indústrias mundiais, o que apenas intensifica a sua posição. Com a crise do capitalismo e a queda dos lucros das indústrias, temos como consequência a crise no Brasil. Não é à-toa, hoje, que, apesar de produzirmos arroz, pagamos o olho da cara em um saco de cinco quilos. Efeito da relação da qual nos foi estabelecida e aceita, sem questionamentos, pela burguesia brasileira.
Não há como entender toda essa questão se desconsiderássemos o contraditório: elemento constitutivo não apenas da história brasileira, mas do capitalismo em si. O Brasil, como elo de toda essa relação, se compõe o que é: consequência do desenvolvimento desigual e combinado caracterizado por Leon Trotsky e citado pelos autores do livro.
Programa para uma revolução brasileira
E já que falamos em desenvolvimento desigual e combinado para se pensar o Brasil, é preciso que nos atentemos para uma alternativa aos problemas candentes do país que assola as trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Considerando o imperialismo, a nossa situação de semicolônia e a burguesia brasileira é necessário afirmarmos que não é no capitalismo que conseguiremos resolver essas questões. Muito menos será a burguesia nacional, dependente em todos os sentidos, que se atreverá a fazer uma revolução democrática no país; como tem apontado ainda hoje as direções reformistas.
A intenção que tem Godeiro e Soares, neste livro, é, para além de compreender as determinações históricos que fazem o Brasil ser o que é hoje, apontar alternativas quanto a esta realidade nada convencional para a classe trabalhadora brasileira. Por isso se trata de um programa para uma revolução brasileira, com garantia de independência de classe e sob direção das trabalhadoras e trabalhadores. É preciso cumprir as tarefas que a burguesia brasileira não realizou e nem será capaz de realizar.
Trata-se, também, de romper não apenas com o imperialismo no Brasil, mas com o elo de dominação imperialista em toda a América Latina; já que o país se coloca, hoje, como sua plataforma de expansão. Logo, a revolução brasileira precisa atingir e fazer a revolução no restante dos países latino-americanos, o que deve vir a ser a revolução permanente1. Por fim, a unificação do continente em uma única federação. Compreender o contraditório para superá-lo.
Claro que um trabalho extenso, de mais de 200 páginas, não cabe por completo em poucos palavras como as quais me propus. Por isso faço o convite à leitura, confiante de que se trata de um trabalho que vem a dar início ao debate e à necessidade da revolução brasileira.
REFERÊNCIA
GODEIRO, Nazareno; SOARES, João Ricardo. Neodesenvolvimentismo ou neocolonialismo. O mito do Brasil imperialista. São Paulo: Sundermann, 2016.